sexta-feira, 24 de agosto de 2012


Vem aí o monotrilho

Gostem dele ou não, seu primeiro trecho, na zona leste, deverá entrar em operação em 2013. Até que ponto vale a pena alterar a paisagem urbana para ter mobilidade?

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Obras de construção do monotrilho na Vila Prudente, zona leste de São Paulo(Foto: Simon Plestenjak)

Por Fernanda Nascimento • Fotos Simon Plestenjak
Eles chegaram sem fazer alarde, no final de 2009. Com calças azuis, capacetes e coletes laranja, foram pouco a pouco transformando a paisagem da Avenida Luiz Ignácio de Anhaia Mello, na Vila Prudente. Primeiro cercaram o canteiro central com tapumes de madeira, o que impediu a visão dos motoristas. Depois, se multiplicaram. Hoje, mais de 800 pessoas dão expediente no local. Não dá mais para esconder o resultado do trabalho já realizado: eles instalaram 64 pilastras de 15 metros de altura, unidas por vigas de 70 toneladas. Sobre elas, em 2013, correrá o primeiro monotrilho de São Paulo.
O trecho da Anhaia Mello vai ligar a estação Vila Prudente do metrô, da Linha 2-Verde, a uma nova plataforma, chamada Oratório, a 2 quilômetros de distância. O trabalho não para aí. Falta fincar outras 750 colunas para que o sistema chegue até o bairro de Cidade Tiradentes. A conclusão desse percurso está prevista para 2016. No mesmo ano, deverá ser finalizada a Linha 17-Ouro do monotrilho, que vai unir o Jabaquara e o Morumbi, passando pelo Aeroporto de Congonhas. As obras da primeira etapa desse ramal (antes de cruzar o Rio Pinheiros) estão sendo tocadas por 200 operários desde março e deverão terminar daqui a dois anos. E haverá uma terceira linha, a 18-Bronze, entre a Zona Leste e São Bernardo do Campo. Ela começa a sair do papel no ano que vem (veja o mapa). Somando tudo, São Paulo poderá chegar a 2016 com 62 quilômetros de trilhos suspensos.
O número não deixa dúvidas: a paisagem da cidade será alterada. E vem daí a maior crítica dos opositores do monotrilho. O Elevado Costa e Silva, ou Minhocão, é o principal responsável (junto com ex-prefeito Paulo Maluf, que o construiu) pela degradação de seu entorno, historicamente associado ao consumo de drogas e a mendigos. O mesmo fenômeno se repetiu ao longo da Linha 1-Azul do metrô, no trecho em que ela corre suspensa, entre as estações Armênia, no Centro, e Parada Inglesa, na Zona Norte. As comparações são possíveis, mas carecem de ressalvas. As duas vigas do monotrilho, sobre as quais os trens vão correr, ficam afastadas entre si, o que permite a passagem de luz. Já as pistas do Minhocão medem 20 metros de largura. “O monotrilho não vai fazer uma sombra constante”, diz o arquiteto Alberto Epifani, gerente de planeja-mento do metrô.
O impacto das estações, igualmente suspensas, é um pouco maior. Com cerca de 800 metros quadrados de área, serão construídas, em média, a cada 1,1 quilômetro. “O espaço embaixo delas poderá ficar abandonado, como em viadutos”, diz Sergio Ejzenberg, mestre em transportes pela USP.
Para quem vai conviver de perto com a novidade, a preocupação é generalizada. E já há gritaria. “Não me conformo com a ideia de avistar um trem da minha janela quase a cada minuto”, diz Patricia Tozzi Rodrigues, síndica de um prédio em frente à futura Linha Ouro, na Avenida Jorge João Saad, no Morumbi. “Moro numa avenida tão linda, tão arborizada. Agora, tudo vai virar concreto.” Ela tem certa razão. Embora parques e ciclovias nas regiões envolvidas façam parte dos planos, toda árvore que hoje está no caminho dos trilhos será derrubada para dar lugar às pilastras, que equivalem a edifícios de sete andares. Mas, ao contrário das estridentes composições do metrô, cujas rodas são de ferro, os trens do monotrilho têm pneus de borracha, o que reduz a emissão de ruídos.

As obras no Morumbi, conhecido por reunir aguerridas associações de moradores, divide opiniões. Líder comunitário da favela de Paraisópolis, a maior do bairro, com 40 mil habitantes, Gilson Rodrigues chegou a defender o projeto numa audiência pública sobre o assunto na Assembleia Legislativa, em maio. “Ele vai permitir às pessoas que hoje levam até três horas para chegar ao Centro fazer a mesma viagem em 20 minutos”, afirma. “É a solução mais rápida e eficiente para sanar nossa carência de transporte público.” Em 2010, a Sociedade dos Amigos da Vila Inah (Saviah), uma das agremiações mais combativas do bairro, entrou com uma representação no Ministério Público Estadual e conseguiu na Justiça a suspensão temporária da licitação do projeto. “Faremos o que estiver ao nosso alcance para impedir esse traçado”, diz o presidente da entidade, Yves Jadoul. “Esse percurso foi desenhado para a Copa do Mundo, quando todo mundo achava que o Estádio do Morumbi iria abrigar as partidas”, afirma Deise Bonome, uma das ativistas do movimento Defenda São Paulo, formado por 50 agremiações da região. “Não temos nada contra o transporte sobre trilhos, mas somos favoráveis que ele chegue pelo subsolo, como na maior parte da cidade.”
A ideia é rechaçada pelos técnicos da Secretaria dos Transportes Metropolitanos. Segundo eles, um metrô que cruzasse o Morumbi em direção ao estádio, passando por Paraisópolis, seria utilizado por 48 mil pessoas a cada hora – e isso daqui a 20 anos, segundo as projeções atuais. Com capacidade para atender de 70 mil a 96 mil passageiros por hora, o monotrilho idealizado para São Paulo já seria suficiente para aplacar a carência por transporte público da região. É improvável, portanto, que ele seja substituído pelo metrô, indicado para suprir demandas muito maiores. “É claro que o impacto do monotrilho é considerável. Mas nossas decisões são baseadas na necessidade da população, e não no aspecto visual”, afirma Mauro Biazotti, diretor de planejamento e expansão do governo estadual.
Há quem argumente que o melhor para o Morumbi seriam faixas exclusivas de ônibus, que dão conta de demandas menores. Outra proposta é construir ali corredores sem cruzamentos, para não atrasar as viagens. Foi com a adoção desse modelo, conhecido como Bus Rapid Transit (BRT), que Curitiba virou referência mundial em mobilidade urbana. “Adequar a estrutura já existente da cidade sai muito mais barato”, afirma Adriano Murgel Branco, ex-secretário de Transportes de São Paulo. Alguns especialistas apostam na construção de um sistema semelhante ao monotrilho, mas no nível das ruas, chamado de Veículo Leve sobre Trilhos (VLT).
A principal vantagem do monotrilho é custar menos que o metrô. Cada quilômetro suspenso sai por cerca de R$ 150 milhões. Construir a mesma distância debaixo de terra custa em média R$ 400 milhões. “Nossos recursos são limitados. Optar pelo mais barato é quase uma obrigação”, diz Biazotti.
O preço somado das três linhas do monotrilho, com mais 60 quilômetros de extensão, será de R$ 12,2 bilhões. Para efeito de comparação, as obras da Linha 5-Lilás, que vão dar a ela mais 11 quilômetros, estão orçadas em R$ 6,9 bilhões.
A construção dos monotrilhos que cortam o Morumbi e a Zona Leste está a cargo do governo estadual. Quando estiverem finalizados, os dois serão repassados à iniciativa privada. Para tirar do papel o ramal que chega ao ABC, optou-se pela criação uma parceria público-privada (PPP), ainda em fase de licitação.
É fácil entender por que o metrô sai mais caro. Os riscos e desafios de escavar túneis a uma profundidade média de 40 metros são imensos – basta lembrar o acidente na estação Pinheiros da Linha 4-Amarela em 2007, que matou sete pessoas. Outra explicação para a diferença de valores é o baixo número de desapropriações relacionado ao monotrilho. A expansão do ramal verde com o modelo elevado exigirá a demolição de 288 imóveis, bem abaixo do necessário para qualquer metrô sair do papel. Outras 56 casas serão derrubadas para a implantação da Linha Ouro. Uma delas, na Rua Dr. Flávio Américo Maurano, no Morumbi, pertence à psicóloga Celi Isabel Alves Tavares. Moradora do bairro há 17 anos, ela recebeu há dois meses a notícia de que teria de se mudar. Está resignada. “Nunca imaginei que isso fosse acontecer. A região era muito tranquila quando cheguei por aqui”, diz. “Paciência. Não dá para ir contra o desenvolvimento.”
Os custos operacionais também provocam polêmica. Uma dissertação elaborada pelo pesquisador Adalberto Maluf Filho, do Instituto de Relações Internacionais da USP, sustenta que o monotrilho causa prejuízos mensais, em função dos altos gastos com manutenção. Segundo Maluf Filho, o de Kuala Lumpur, na Malásia, criou uma dívida de cerca de US$ 14 milhões nos primeiros oito meses de operação. Em Las Vegas, nos Estados Unidos, o sistema teria amargado um prejuízo de US$ 70 mil por dia no início. O governo de São Paulo garante que os R$ 3 cobrados por bilhete serão suficientes para que o monotrilho não deixe dívidas.
Ao redor do mundo, esse modelo é utilizado para fins distintos. Na maioria dos casos, atende áreas turísticas. É o caso do de Sydney, na Austrália, que serve apenas aos visitantes do centro comercial – e que por isso será demolido (leia abaixo).
O exemplo mais lembrado pelos defensores do sistema é o de Tóquio. O monotrilho de lá liga um dos aeroportos ao centro e carrega mais de 200 mil pessoas por dia. “O resultado prático desse meio de transporte aqui ainda é uma incógnita”, diz Murgel Branco, ex-secretário de Transportes de São Paulo.
Ninguém questiona, no entanto, o martírio que é se locomover por aqui. Castigada diariamente por congestionamentos catastróficos, a cidade dispõe de míseros 74 quilômetros de metrô. É muito pouco para atender uma população de 11 milhões de pessoas. Metrópoles de mesmo porte, como Tóquio e Nova York, têm cerca de 300 quilômetros de trilhos subterrâneos. Londres atualmente investe para modernizar sua malha de 408 quilômetros, que começou a funcionar em 1863. O ritmo de expansão dos trilhos em São Paulo é de 2 quilômetros por ano. Essa velocidade vai aumentar com o monotrilho. Todos esperam que as mudanças não sejam apenas visuais.

Monotrilho na cidade de Sydney, na Austrália: dias contados (Foto: Getty Images)
Exemplos de fora
Ao redor do mundo, o monotrilho foi utilizado para fins diversos
Kuala Lumpur (Malásia)
Na capital do país asiático, o sistema apresentou problemas antes mesmo de entrar em funcionamento, ferindo um pedestre durante um teste, em 2002. Desde a inauguração, tem atraído mais passageiros para seus 8,6 quilômetros. Estatizado após a falência da empresa que o construiu, não será expandido.
Las Vegas (EUA)
Por US$ 5, é possível utilizar o monotrilho da cidade, que liga hotéis, cassinos e centros de convenções. Os 6 quilômetros de trilhos foram inaugurados em 2004, depois de muitos atrasos causados por problemas como o descolamento de peças. Falhas mecânicas e elétricas fecharam o sistema temporariamente em várias ocasiões.
Tóquio (Japão)
Na capital japonesa, o monotrilho é responsável por ligar um aeroporto ao centro. Mais de 200 mil passageiros pagam US$ 5 para fazer o trajeto todos os dias. O último quilômetro do sistema foi construído em 1964, para a Olimpíada.
Sydney (Austrália)
Depois de duas décadas, o monotrilho de lá está com os dias contados. O governo marcou o fim das operações para 2013. A razão: o sistema serve apenas ao centro comercial e não está interligado a outros meios de transporte.
Disney World (EUA)
Com três linhas, foi inaugurado em 1971, junto com o famoso complexo de diversão da Flórida.

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