Uma leva o balde com gelo, outra carrega as taças, e a terceira mantém a garrafa de champanhe
em riste, para não esbarrar em ninguém. As três beldades, em fila indiana, serpenteiam o salão onde cerca de 450 pessoas se agitam à house music. O ziguezague desperta a curiosidade de todos. Do outro lado da pista, estão os donos da bebida – rapazes e garotas de não mais de 30 anos, que já acumulam na mesa garrafas vazias de vodca e latas de energético. Quando o champanhe chega, um jorro de fogo sai do gargalo, atraindo a atenção pública ao clarão, e é impossível dizer onde, nos olhares, termina a admiração e começa a inveja. Os 750 ml de Louis Roederer Cristal, o champanhe que causa tanto estardalhaço no salão, custam R$ 2,4 mil. É bebida para poucos, assim como não são muitos os que conseguem um lugar na casa.
Estamos na Mokaï, lugar onde go-go girls dançam sobre nossas cabeças, e bebidas podem custar até R$ 3,2 mil; onde muitos chegam de Mercedes-Benz – o loiro de cabelo estrategicamente penteado desponta num SLK Roadster, enquanto a moça que trabalha na chapelaria chega no ônibus que pegou no Terminal Princesa Isabel. Um lugar frequentado pela nova geração da nata paulistana: meninas bem produzidas que falam de suas traições no balcão de make-up e rapazes apanhados que pagam até R$ 350 de entrada e falam obscenidades no banheiro.
A franquia da casa noturna de Miami tem corvos empalhados no teto, mas ninguém nota. Os homens estão mais preocupados em olhar para as meninas e imaginar o que se esconde por baixo do casaco de pele; as mulheres, por outro lado, estão interessadas em não demonstrar seus desejos. Ser blasé é fundamental, mas não dura muito. A máscara cai exatamente quando elas se sentam para refazer a maquiagem no salão de beleza instalado dentro da casa.
Uma dessas meninas é Danielle Sobreira. Comportadamente sentada numa poltrona na seção feminina da casa, a ex-assistente de palco do Gugu conversa com a amiga, Mariane Oliva, ex-Chiquitita e ex-apresentadora da Discovery, sobre a vida amorosa e… o ex.
Danielle terminou o noivado três semanas antes da balada e resolveu comemorar a solteirice no dia anterior ao que seria o do casamento. “Eu sou modelo e atriz, faço Wolf (Escola de Atores Wolf Maya), e ele não servia para ser noivo de atriz.” A amiga Mariane, que interpretou a vilã Marian no seriado infantil nos idos de 1997, concorda. “Uma atriz para ter um relacionamento longo, saudável, tem que ter um namorado cabeça, que entenda que nós, atrizes, fazemos coisas, mas sem sentimento, entende?” Entendo.
Quem ouve a tudo é Jonathan Nunes, um dos maquiadores que atuam na casa. “Elas se entregam aqui”, diz. Homem é o assunto principal: quem está com quem, quem deixou quem, quem traiu quem e com quem. No meio da balada, “quando elas já estão alegrinhas”, o fluxo de meninas que o procuram é maior. Querem refazer a sombra, retocar a base, delinear a sobrancelha, pintar os lábios. “Elas querem ser Gisele Bündchen.”

Algumas conseguem chegar perto da beleza da top model. Outra parte das meninas não é bonita, apesar das roupas de grife, dos casacos, dos sapatos, das bolsas. O dinheiro não compra beleza, mas pode bancar uma bebedeira homérica e transformar todas as meninas em divas. Mas quem quiser enfiar o pé na jaca da opulência terá de desembolsar uma boa grana. Cerveja nacional long neck: R$ 15. Shot de tequila: de R$ 25 a R$ 35. Dose de uísque: de R$ 25 a R$ 76.
Os valores ganham três ou mais dígitos se o cliente quiser a garrafa. Vodca: de R$ 380 a R$ 485. Tequila: de R$ 400 a R$ 550. Uísque: de R$ 400 a R$ 1 000. Champanhe: de R$ 450 a R$ 3,2 mil. Fico com uma garrafa de água e morro com R$ 8.
RÉVEILLON FORA DE ÉPOCARÉVEILLON FORA DE ÉPOCA
Para colocar os pés na B4 Lounge, homens devem dispor de R$ 80 e mulheres, de R$ 30. Parece acessível, não? Não. Além da consumação mínima, é preciso ter nome na lista ou ser membro – o topo da cadeia que goza de consumo aberto, reservado a uma minoria convidada pelos sócios da casa.
Lá dentro, é tudo festa. Entre uma taça e outra, os brindes são um som abafado apenas pela música das pickups. “Parece Réveillon o ano todo”, comenta a fotógrafa que me acompanha, Patricia Stavis. De fato, as roupas de gala, as joias, o sorriso no rosto e o champanhe borbulhante lembram uma véspera de Ano Novo em pleno julho. Assim como na festividade original, o pessoal aproveita para beber além da conta – e não me refiro à conta a ser paga no fim da noite, pois essa pouco importa.
“Tá frio aqui?” A pergunta me surpreende. Estávamos a sós no espaço reservado para fumantes, anexo ao lounge, céu à mostra – eu olhava o tempo e ela olhava o nada. A mulher de pele castanha segura um cigarro entre os dedos e tem um olhar enigmático e vazio, tal qual uma Mia Wallace. É de uma sofisticação quase inabalável, absoluta. Quase. A classe da garota resvala diante de três doses de vodca Ciroc. “É que eu bebi e não percebo se está frio”, explica.

Enquanto lá fora faz 14ºC, dentro da casa o ambiente é ameno, de acolhimento. É isso que Mia Wallace, digo, Andreza Pinezola, gosta na B4 Lounge: o clima intimista. Pela segunda vez, a estilista recifense aproveita viagens de negócio para “sair da rotina” e curtir o lugar.
Tudo ali é especialmente pensado para se parecer com a sala de sua casa – a sua, e não a minha, que é minúscula: ao fundo, uma estante percorre o pé-direito alto com fotografias em preto-e- branco, esculturas – como um sapo na posição de lótus e uma coruja – e livros antigos de capa dura que são meros adornos, tais como Index Terapêutico Moderno, de 1971, e Execução Fiscal, de José da Silva Pacheco. Podia ser pior, com Saramagos e Le Clézios!

Decoração duvidosa à parte, a sofisticação da casa é um prazer aos olhos. Aos ouvidos, nem tanto. E não me refiro ao Pet Shop Boys que toca, mas sim às três loiras que, do fumódromo, travam uma batalha telefônica com um certo Luiz. “Luiz, eu tô ligando só para te dar satisfação, seu infeliz! Vai tomar no seu c*! Eu largo de você!”
“Ah, não dá atenção para esse filho da p*, amiga…”, dizem as espectadoras do show, horrorizadas com Luiz.
“Se eu te ligasse no meio da noite, ia te acordar! Vá se f*! Olha, fala logo que eu quero ir lá para dentro. Te dou mais dois minutos.”
Segundos depois, ela desliga. Tem cara de azeda, mas as amigas parecem satisfeitas. As três apanham suas bolsas Dolce&Gabbana e entram com uma classe ímpar – barriga para dentro, peito para fora. Com um pouco de sabão na língua, poderiam ser Rita Hayworth, Audrey Hepburn e Sophia Loren.
O DONO DA NOITE
Um sofá e uma mesa com LED compõem os camarotes da Blue Pepper. Custam R$ 2 mil. Mas se a ideia é ostentar, o figura morre com R$ 10 mil nos camarotes especiais – um sofá maior e uma mesa com LED. Os preços não assustam os frequentadores, que lotam todas as 13 unidades. “Todos aqui são VIP”, comenta Ahmad Yassin, sócio da Blue Pepper. Ele explica que ali só entra com R$ 300 de consumação e nome na lista. E para ter o nome incluído no rol dos sortudos
que têm acesso à pimenta azul? “É preciso ser conhecido de alguém que já tenha nome na lista.” É assim que o círculo se abre. Ou se fecha?
Apesar de parecerem indignos do preço, os camarotes vão além do sofá e da mesa. Eles são indicadores de riqueza – e, por isso, atraem os olhares. “É muito comum vir uma menina e pedir para deixar o copo na nossa mesa, depois voltar para apanhá-lo, começar uma conversa…”, me confidencia um rapaz que não quis dar seu nome, com medo da namorada. Ele está com amigos no camarote de R$ 2 mil. “Já comi várias meninas assim.”
As mulheres são atraídas por caras bonitos, de boa índole, com camarote e que paguem entre R$ 560 e R$ 3,5 mil por um champanhe. Para impressioná-las, há quem compre 20 garrafas de Veuve Clicquot Ponsardin e desembolse na brincadeira R$ 11,2 mil, o que explica por que eu não fiz sucesso com um Black Label de R$ 28.

“Oi, vocês são de onde?”, irrompe o rapaz de camisa listrada e gel no cabelo. Ele passa seu cartão com nome, telefone e empresa. “Eu pergunto isso porque hoje a noite é minha. Não quer me entrevistar? Fazer uma foto minha?” Silêncio… “Não, obrigado”, respondo.
Às 3 da madrugada, a casa está cheia. As pessoas nos camarotes parecem se multiplicar. Grupos de quatro já são 12. Casais recém-formados se beijam na pista. Meninas soltas se agitam – seus vestidos esvoaçantes provocam os desejos mais carnais. Rapazes esvaziam suas taças e pedem mais champanhe. E mais. E mais. Como se o mundo fosse acabar amanhã e eles não conseguissem saciar a sede.
PRATAS GATAS DA CASA
Jéssica Kassab, 24 anos, atendente da Blue Pepper.
A maior qualidade de Jéssica não é o parentesco com o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, de quem é prima de segundo grau. O que mais chama a atenção é um sorriso redondo que estampa a toda hora, mesmo diante das investidas mais estapafúrdias.
Os homens se assanham muito para o seu lado? 
Ah, tem alguns que já beberam um pouquinho a mais e que paqueram, dão cantadinhas baratas…
De que tipo?
Oferecem uma bebida, por exemplo.
A propósito, posso te pagar uma vodca ou uma taça de espumante?
[Risos] Não, obrigada.
E como é sua reação diante disso?
Eu tento ser simpática até quando os clientes exageram.
Mas dá para fazer amizade contigo, pelo menos?
Ah, dá sim. Tem alguns que são amigos mesmo. Eles me acham no Orkut e
me adicionam.
O marido vê isso como?
Ele entende que é um trabalho. Confia em mim. Não tem crises.
Onde ele está agora?
Dormindo.
Linda Cristal Cantal de Mello, 24 anos, dançarina.
Cristal é uma das meninas que, do aquário suspenso, encantam o público da Mokaï. O olhar que sustenta quando mexe e remexe seu corpinho paira no vazio. Ela fica em outra esfera e mal se importa com as cantadas de pedreiro em pele Ralph Lauren.
O que passa na sua cabeça quando está dançando e sendo observada?
Quando subo no palco, eu desligo do mundo afora e deixo a música tomar conta do meu corpo. É uma sensação única e muito prazerosa.
Você deve ser muito paquerada.
Depende muito de onde vou dançar. Às vezes, danço em clubes GLBT e aí quem me paquera são as mulheres. Mas em casa hétero, quando danço muito perto do público, há homens que são bem sem-vergonhas, de falar coisas do tipo “se eu te levar para casa, quanto você me cobra?”.
Alguns já tentaram usar o status ou dar presentinhos para te conquistar?
Sim, o mais comum é o cara chegar dizendo “eu sou fulano de tal, mereço
uma atenção extra, concorda?”.
Como você lida com o assédio?
Procuro ter muito jogo de cintura e ser o mais educada possível. Tem muitas pessoas que confundem go-go dancer com stripper ou prostituta e, para essas pessoas, eu apenas digo “obrigada pelo elogio”.