segunda-feira, 18 de junho de 2012


A alta do Baixo Augusta

O bairro onde nasce a rua mais eclética da cidade ganha um perfil residencial

ÁREA DE SERVIÇOCOBERTURAIMÓVELVIDA URBANA 

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Por Ana Magalhães e Guilherme Soares Dias
Os tapumes e os antigos sobrados em demolição parecem um prenúncio: a parte baixa da Rua Augusta, entre o Centro e a Avenida Paulista, está de mudança. Sai a casa noturna e entra um edifício residencial. Sai o barzinho e entra o restaurante por quilo. A via mais eclética de São Paulo – onde hoje se misturam tatuados, moradores de rua, prostitutas e mocinhas de salto alto – vem atraindo empreendimentos residenciais e jovens de classe AB. Desde agosto de 2009, foram lançados pelo menos dez edifícios residenciais na região. A esperança é que, quando todos forem entregues a seus moradores, as calçadas hoje esburacadas deem lugar a um ambiente mais bem cuidado.
Segundo a Empresa Brasileira de Estudos de Patrimônio (Embraesp), só na região do Baixo Augusta, 2.560 apartamentos residenciais e 387 salas comerciais devem ser entregues em até três anos. O preço do metro quadrado de um apartamento de um dormitório no bairro subiu 164% entre janeiro de 2008 e abril deste ano, atingindo R$ 8.500. O valor supera o da região central e se aproxima do que é cobrado por um imóvel em Pinheiros. No mesmo período, a alta média da capital foi de 150%. “Na comparação com o ano passado, a valorização do metro quadrado na região é de 20%”, afirma Elbio Fernández Mera, vice-presidente de comercialização e marketing do Secovi-SP, o sindicato da habitação.
Perspectiva ilustrada de uma das torres do Ca'd'Oro, que terá 574 apartamentos (Foto: Divulgação)
Mesmo com a explosão de preços, a venda de novos apartamentos e salas comerciais na região tem sido um sucesso. Bastou um final de semana, em setembro passado, para que investidores arrematassem os 374 apartamentos da torre que substituirá o Grand Hotel Ca’d’Oro, na esquina da Augusta com a Caio Prado. “O público que comprou os apartamentos residenciais foi de classe AB, sobretudo solteiros e novos casais”, afirma Ricardo Laham, diretor de incorporações da Brookfield, construtora das torres Ca’d’Oro. Outro empreendimento da região, o Capital Augusta, lançado pela Esser Empreendimentos, foi totalmente vendido em apenas seis horas.
Qual o motivo de tanto sucesso? Em primeiro lugar, a excelente localização, perto das estações de metrô Paulista e Consolação. Em segundo, a variada oferta de serviços culturais e de lazer. Em terceiro, a recuperação da Praça Roosevelt (leia mais ao final da reportagem), que depois de anos em obras deve ficar pronta em setembro. Além disso, o bairro ficou anos sem novos lançamentos imobiliários, o que pode ter causado uma demanda reprimida. Na avaliação da diretora de atendimento da Lopes Imobiliária, Mirella Parpinelle, quem pensava em morar no Centro desistia porque a região estava muito degradada – e também porque não havia opções de empreendimentos novos e modernos. Há também os investidores. O empresário Marco Torriero, de 47 anos,comprou um apartamento no Ca’d’Oro Residências. Ele mora nos Jardins e não pretende se mudar. Sua esperança é que a valorização imobiliária do Baixo Augusta continue em alta, para que ele lucre no futuro. “Espero que,em2014,quando a torre estiver pronta,o metro quadrado tenha valorizado 30%”, afirma. “É curioso como essa especulação imobiliária está criando novos milionários”, diz o comerciante Anatolie Soroko, proprietário da Sorveteria Soroko. “Há sete anos, comprei um terreno de 150 metros quadrados por R$ 130 mil aqui na Augusta. Hoje, vale dez vezes mais. É um absurdo, não tem lógica”, afirma.
Tamanha valorização espanta quem não tem como acompanhar o aumento no preço dos terrenos. Em abril, o Vegas Club fechou as portas. Inaugurado em 2005, a casa havia ajudado a transformar a Augusta em point das baladas alternativas da cidade. Facundo Guerra, sócio do Vegas e de outras casas noturnas, diz que recebeu uma notificação de preferência de compra do galpão onde funcionava a boate. “O valor foi astronômico, da ordem de milhões de reais”, afirma. “Fomos obrigados a fechar.”
Para AleYoussef, dono do Studio SP, a tendência é que a vida noturna conviva muito bem com os novos moradores e novos trabalhadores.“O bairro do SoHo, em Nova York, provou que é possível conciliar vida noturna e imóveis supervalorizados. São Paulo pode ter isso também. Não existe antagonismo.”
A região também vai ganhar um apart hotel com 147 quartos que funcionará no mesmo terreno do Ca'd'Oro, com 387 salas comerciais (Foto: Divulgação)
Em cinco anos, quando todos esses prédios estiverem prontos, os futuros moradores– em sua maioria jovens entre 25 e 35 anos de classe AB – chegarão ao bairro com novas demandas, o que tende a trazer de volta à Augusta os seus tempos de glamour das décadas de 1950 e 1960. “É possível que muitas casas noturnas e bordéis deem lugar a um comércio mais de bairro, como padarias, lavanderias e restaurantes de melhor padrão”, analisa o urbanista Gilberto Belleza, professor do Mackenzie.
Uma nova Augusta, mais moderna, ao mesmo tempo baladeira e residencial, deve influenciar o restante do Centro, como a região do Largo do Arouche e da Praça da República. “É o começo de uma requalificação do Centro como um todo”, analisa Luiz Paulo Pompeia, da Embraesp. “Os holofotes começaram a brilhar pelo Centro como nunca antes”, afirma Ricardo Laham, da Brookfield. Para ele, a região central é a nova “menina dos olhos” do mercado imobiliário.
Um dos impactos desse interesse recente pela região deverá se dar no trânsito. Apesar dos novos prédios, a estrutura viária dali tende a se manter a mesma, já que a Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) não prevê nenhuma melhoria. Segundo a legislação municipal, empreendimentos imobiliários residenciais que tenham mais de 500 vagas de garagem são classificados como geradores de polos de tráfegos. Por isso, têm a obrigação de realizar melhorias viárias. O maior empreendimento da Augusta terá 460 vagas, o que exime todos os empreendimentos ali de contribuir para desafogar o trânsito. Mesmo que congestionada a ponto de impedir até a ideia de subi-la a “120 por hora”, é possível que a via mais híbrida da cidade continue a ser, no futuro, o melhor resumo do que é São Paulo: uma cidade que não para de se reinventar.

Projeto de reforma da Praça Roosevelt, que terá sua primeira parte entregue em setembro (Foto: Divulgação)


As promessas e a especulação na Praça Roosevelt
A restauração da Praça Roosevelt ainda não foi concluída, mas já causa aumento no valor dos imóveis de seu entorno. Segundo o Conselho Regional dos Corretores de imóveis (Creci), o aluguel de um apartamento de um dormitório nos arredores subiu 44% em um ano, chegando a R$ 800 por mês. O valor do metro quadrado teve alta bem maior, chegando a 140% em apenas um ano. E alguns aluguéis comerciais triplicaram. Foi o que ocorreu com o imóvel onde desde 2008 funcionava a livraria HQMiX. “Em dezembro do ano passado me pediram R$ 5 mil de aluguel. Antes, eu pagava R$ 1.700”, diz Gualberto Costa, dono da livraria. Em vez de aceitar o reajuste, ele mudou o ponto para Higienópolis, onde paga hoje R$ 3.400 de locação. Costa teme que os teatros instalados na praça sejam obrigados a sair de lá.
“O aluguel de R$ 1.700 estava defasado”, diz José Augusto Viana Neto, presidente do Creci São Paulo. Para ele, a valorização imobiliária deve se intensificar quando a praça estiver pronta. A previsão é de que as obras terminem em setembro deste ano. “Quando anunciaram a reforma, houve um processo de especulação. Quando a praça ficar pronta, haverá outro movimento especulativo”, diz Luiz Paulo Pompeia, presidente da Embraesp. Difícil é saber a que ponto chegará. “Não faz sentido a praça ter um aluguel superior a Higienópolis”, afirma Renato Orbetelli, dono de uma tabacaria que funciona há 43 anos na Roosevelt.

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