sábado, 16 de junho de 2012


Jun Nakao versa sobre a moda nacional
Por Marta De Divitiis* 
Fotos de Silvia Boriello para a X Semana de Moda-SP
http://www.camisasmyway.com.br/
Em julho Jun Nakao irá apresentar sua coleção de verão 2002/03, pela primeira vez, no SPFW. Embora trabalhando desde os anos oitenta só agora ele estará consolidando sua própria grife no mercado. Em meio ao intenso trabalho, ele encontrou tempo para dar uma entrevista exclusiva ao Moda Brasil. Confira suas opiniões, a seguir. É uma oportunidade de conhecer como pensa este talentoso e tranqüilo estilista brasileiro.

Moda Brasil: Quando que você descobriu que queria trabalhar com moda. Era uma vontade que existia desde que você era criança?

Jun Nakao: Eu a princípio eu não tinha idéia na época de ginásio, aos doze anos, eu não sabia exatamente o que eu queria para trabalhar. Mas eu pensava poder trabalhar com algo que pudesse interagir com o ser humano. Era essa a minha idéia. A primeira abordagem que eu tentei era trabalhar com a tecnologia e o ser humano, alguma coisa que envolvesse algo meio multimídia. Imaginava poder ter a tecnologia tanto em termos de conforto como de sensações, de praticidade. Imaginava trabalhar com algo ligado à tecnologia. Posteriormente durante a época do colegial quando eu comecei a fazer um curso técnico, um colegial técnico que não tinha nada a ver com moda. 

MB: Que curso era?

JN: Era um colegial técnico em eletrônica. Acreditando que eu aprenderia criar ambientes e sensações através deste approach. Só que eu descobri que dentro da maneira acadêmica que eu não conduziria nada para este lado. Até conduziria, mas a abordagem dentro da escola era muito acadêmica, bom era um curso técnico, né? Tinha que ser acadêmico. Futuramente eu até poderia usar isso como um artista multimídia. Tudo o que eu aprendi como tecnologia, como hoje vários artistas trabalham com tecnologia e arte. Só que eu acabei meio que desistindo, concluí o colegial mas já sabendo que eu queria trabalhar com moda. Durante o colegial eu percebi o quanto a roupa tem esta proximidade. Enquanto uma roupa pode mudar uma pessoa. Interferir, interagir. E foi nessa hora que eu basicamente decidi trabalhar com moda mas com este objetivo, que era ter algo, propiciar algo que interagisse e que possibilitasse à pessoa uma expressão, uma atitude, uma identidade. Então eu comecei a lidar com moda.

MB: E você chegou a fazer uma faculdade?

JN: Não, por que não havia. Eu até procurei, mas não havia. Tanto que uma época eu busquei cursos e escolas e eu descobri e até comecei um curso numa escola de modelagem e percebi o quanto novamente a abordagem era tão técnica e tão limitada até pela maneira como a professora enxergava. Então eram pessoas que viam moda muito mais como ofício do que como arte. E então eu estava percebendo a mesma abordagem da época que eu comecei a querer trabalhar com tecnologia. Quando eu comecei a trabalhar com eletrônica eu pensava em algo muito mais como um designer, com percepção extra sensorial, enfim, achava que poderia ter tudo isso e não era bem assim. 

E de repente moda, eu vi que aquele não era ainda o perfil da escola que eu queria, busquei outras escolas e não havia. Até que, por telefone, eu entrei em contato com o CIT (Centro Industrial Têxtil, fundado pela Rodhia, Vicunha), que na época ministrava vários cursos para os associados. Tinha ótimos cursos, com a Marie Ruckie, com a Vera Lígia, de desenho, cursos de vitrinismo, de moulage. Já era uma coisa mais próxima daquilo que eu gostava e me interessava. Eles tinham o comitê de estilo, neste comitê eles tinham a Glória, a Alba Noschese, da Armazén, tinham pessoas interessantes. Eu entrei em contato por telefone um dia e acabei indo parar lá. Acabei fazendo os cursos no CIT. Comecei a entrar em moda pelo CIT.

MB: E em que ano foi isso?

JN: Deixe-me ver... exatamente, acho que em oitenta quatro, oitenta cinco.

MB: Interessante. Eu pensei que você tivesse começado no início dos anos noventa.

JN: Eu trabalho já há dezoito anos praticamente, com confecção. Acontece que só dentro deste processo eu trabalhei num projeto também interessante, junto com o Walter (Rodrigues), o Conrado (Segreto), que era a Cooperativa de Moda. E isso aconteceu em oitenta e sete, que tinha mais ou menos o mesmo formato do que seria mais tarde o Phytoervas, a Semana de Moda, o Hot Spot. Que era mostrar quem estava por detrás de algumas grifes, eram alguns estilistas que trabalhavam em confecções que resolveram fazer uma apresentação individual lá no MIS. Na época a repercussão foi muito pequena em função da moda não estar tão na mídia como hoje. Na época foram cobrir o evento apenas a Claudia Moda, Interview e a Veja. Não tinha espaço em jornal, em lugar nenhum. Então até pelo fato de não ser o momento, fez com a que a Cooperativa durasse apenas uma edição, praticamente. Durou duas, mas entre a primeira e a segunda, saíram várias pessoas. Não era o momento. Só em noventa e quatro quando começou o Phytoervas é que eu percebi que estava havendo uma transformação no mercado. Foi aí que eu decidi enviar um projeto, que foi feito em noventa e seis, quando as pessoas conheceram efetivamente o meu trabalho. 

Através do Phytoervas, que foi uma vitrine para mim, eu imediatamente fui contratado, fui para a Zoomp e lá permaneci por seis anos como gerente de departamento de criação. Então as pessoas me conheceram assim, mas na área industrial todo mundo já me conhecia, tanto que quando eu apresentei meu projeto em noventa e seis eu já estava muito bem relacionado na área. Mas o público, a mídia só teve contato comigo através do Phytoervas. 

Eu tinha trabalhado na Carmim e aí eu me desliguei para fazer o projeto e basicamente tudo o que desfilou eu e a Lelê que fizemos, nós não tínhamos uma estrutura e dali em diante eu comecei a me dedicar realmente à minha marca. Mas uma dedicação em função de eu estar dentro de uma empresa aonde, pelo cargo que eu tinha, o tempo disponível para a minha marca era muito pequeno, então nós tínhamos apenas um trabalho de manter a marca presente dentro destes eventos, o Phytoervas e a Semana de Moda , uma vez que eu não tinha mesmo todo o suporte a não ser a Lelê, para viabilizar comercialmente e industrialmente a marca. Tanto é que eu estou me desligando da Zoomp agora e comecei a me estruturar realmente. 

Estou conseguindo montar uma estrutura e esta será a primeira coleção que eu estarei vendendo no Brasil. Até pelas próprias circunstancias, hoje eu pretendo realmente sobreviver com a minha marca e aconteceu o convite do SPFW, que coincidiu, não sei se em função deles saberem que eu tinha me desligado e que eu queria começar a me dedicar à minha marca, acho que isso de certa forma deve ter influenciado na seleção. O debut da marca no mercado vai acontecer dentro do evento, acredito. Esta é a minha situação hoje.

MB: E sua marca, enquanto você estava trabalhando na Zoomp ?

JN: Eu a apresentava dentro do Phytoervas, a comercialização dela era extremamente restrita. Eu comprava o tecido para o desfile, fazia algumas peças a mais e era aquilo que eu tinha para a estação.

MB: E você colocava em algum ponto de venda, na Galeria Ouro Fino ou outro lugar?

JN: Eu coloquei durante algum tempo na Galeria onde tivemos uma loja. Depois com o fechamento da loja eu passei a vender para amigos e conhecidos só e sempre praticamente em quantidades bem reduzidas porque eu não tinha como viabilizar, articular, este lado e isso hoje demanda uma dedicação absurda. Hoje, que eu me dedicando inteiramente, eu percebo o quanto eu fiz falta o quanto era necessário que eu estivesse ali, mais próximo, para poder haver o crescimento. Por mais que houvesse todo um suporte da Lelê que fez com que a marca pudesse participar dos eventos, não havia como, a coleção não era criada, concebida com essa finalidade. Uma coleção simplesmente, ela é toda uma estrutura por trás. E isso nós não tínhamos. E nem hoje nós temos ainda. Nós estamos nos preparando.

MB: A Lelê te ajuda de que forma?

JN: Ela me ajuda na parte promocional e administrativa. E, é claro, a gente discute o tempo inteiro a coleção. Mas a criação e conceito é meu e a Lelê fica mais na parte de viabilização.

MB: Mas que é super importante.

JN: Hoje estou percebendo o quanto ela ajuda. Mesmo hoje eu me dedicando, eu não consigo... 

MB: Não dá para fazer tudo.

JN: Está difícil ,ainda as coisas não estão... e, muitas vezes as pessoas que não estão próximas, acreditam...Uma vez eu fui dar uma palestra, logo depois do Phytoervas, quando eu estava no cargo de gerência da Zoomp. Durante uma palestra uma aluna me perguntou : "e agora que você está rico e famoso, o que você pretende fazer de sua vida?" Como se fosse simples. Ninguém tem noção da rotina que um estilista tem.

MB: Hoje se glamuriza demais a figura do estilista. Não se sabe o quanto se trabalha para fazer uma coleção.

JN: Uma coleção é algo assim, extremamente doloroso, até você tornar aquilo real, porque, ao contrário de um grafic designer, um cara que trabalha com computador. Ele realmente deve ter uma atividade muito grande, mas ele também está lá e depende, basicamente, do computador. Ou até mesmo um músico. Ele pode ficar meses distante de um estúdio e depois leva para o lá todo o seu trabalho, compilado, para a gravação. Ele passa mais tempo fora, compondo a escritura, ou mesmo um escritor, que passa meses escrevendo e depois manda para a gráfica o trabalho dele. E não tem a gráfica na rotina dele. Se você puser um escritor dentro de uma gráfica apenas, não sai nada. 

Um músico apenas dentro de uma gravadora, não sai nada. Se colocar um cara que trabalha com design dentro de uma gráfica não sai nada. Já o estilista tem que estar o tempo inteiro dentro da fábrica porque depende da costureira, da lavanderia, do aviamento, da modelista, da pilotista, do cortador, da entrega, dos coloristas, laboratório, é um processo que tem uma rotina dependente de uma teia muito grande. O trabalho, por mais que esteja sob sua direção, não está em suas mãos. Está tudo na sua cabeça mas depende das mãos alheias, até eles te entregarem aquilo, é tudo muito sofrido.

MB: e quanto á sua coleção, que será apresentada no próximo SPFW, você pode adiantar alguma coisa?

JN: A coleção já está pronta... aqui na minha cabeça. Novamente. Na minha opinião uma coleção, ela já nasce pronta. É claro que ela tem uma evolução, mas eu acho que a essência está pronta. Sim, porque hoje eu já sei exatamente qual a trilha, a maquiagem, o que será o desfile, o que eu quero que seja. Se ele vai ser 100% eu não sei A coisa já está pronta. O que mais você queria saber?

MB: Eu gostaria de saber o que será o desfile, mas se você não quiser falar, não há problemas...

JN: Mas não falar porque?

MB: É que às vezes alguns estilistas preferem não adiantar nada para deixar uma certa surpresa...

JN: Não, eu não tenho esta preocupação. Eu não acho que fazer surpresa torne o trabalho melhor ou pior. Quando você vai ver um filme, você lê a crítica. Ou o filme é bom ou não é...

MB: Isto é verdade... Gostei. Eu nunca tinha pensado desta forma. Mas você tem razão...

JN: Eu acho meio inconsistente este condicionamento. Tanto é que na minha cabeça, o que eu faço é muito de cinema... Eu tenho um trabalho de diretor porque eu sei como tem que ser o catálogo, a trilha, faço um story board de tudo como tem que ser. Senão a ação atutelada à modelagem à estampa, ela não tem profundidade, se torna muito superficial. Então tudo tem que ter uma intenção neste momento. O conceito deste trabalho é um pouco tempo versus tecnologia. É o tempo versus futuro. Seria bem o tempo versus o futuro. É uma visão sobre o quanto esta questão do tempo interfere na estética, interfere na tecnologia, interfere na percepção de um ideal. 

Digo isto porque? Aquilo que você hoje consegue dentro.... Mudando um pouco, dentro da abordagem de Moda que está sempre retratando, trazendo algo de volta , existe aquela idéia do "vintage". Aquilo se tornou interessante porque é um produto vintage. O tempo se encarregou de agregar valor àquele objeto. Então eu estou fazendo hoje um trabalho exatamente onde eu questiono a respeito do futuro versus o tempo. O que nós temos hoje, com um grau de consistência, sabe, afetado pelo tempo. Então basicamente eu estou trabalhando com um estúdio que trabalha com design gráfico e 3D. Tem toda uma estética futurista e ao mesmo tempo retrô. É extremamente complicado. 

O tempo esteve sempre presente no meu trabalho, todo o trabalho que eu desenvolvo eu sempre coloco o tempo como um fio da meada. E nesta coleção de novo tem esta questão do tempo dando esta maturada no que nós temos hoje em termos de design, e apresentando todo este grau de interferência. Então temos estampas todas elas criadas em computador onde você percebe esta questão da tecnologia, da artificialidade, da "frieza" dos objetos todos mas ao mesmo tempo que são objetos extremamente construídos com mil programas de volumes e que faz em tempo retrô, são quase que kitches. A coleção tem essa essência, esse cheiro, tem essa densidade talvez, onde eu estou reconstruindo o nosso momento presente com um olhar no futuro.

MB: difícil mas muito legal.

JN: Eu acho que o problema é que na parte conceitual está tudo muito tranqüilo, o problema todo é a materialização, a realização de todo este projeto, devido a vários aspectos que vão desde a captação de recursos, que é algo novo para mim. Até então todos os trabalhos que foram feitos em Semana de Moda, Phytoervas, eu era meio que um convidado, bancado pelo evento...

MB: O SPFW não banca nada?

JN: Banca a estrutura para o evento. Tanto é que o perfil das marcas que estão lá são de empresas estruturadas cada uma para bancar sua estrutura de camarim, buffets, etc.. Algo que nunca passou pela minha cabeça. Hoje eu estou frente ao fato de ter que pensar desde o café da manhã para a equipe que estiver lá, almoço, lanche da tarde, as camareiras, pessoal todo de camarim, da limpeza, maquiador, modelos, pessoal de trilha...

MB: Eu pensei que tudo isso fosse bancado pela direção do evento...

JN: Não, isso é equipe do estilista.... Dentro desta circunstância nova, qual é a nossa situação: nós temos que, além de realizar a coleção se preocupar agora com a apresentação. Como que eu vou fazer para bancar todo este gasto, que eu nunca tive. Então estou atrás da captação de recursos. E tem esta questão de eu estar nessa fase onde eu estou tentando estruturar a marca para poder atender ao mercado, comercializar o produto, produzir, distribuir, são vários desafios acontecendo ao mesmo tempo... Estamos conseguindo. O mais tranqüilo é que o projeto está pronto. Temos o book do que vamos fazer, está idealizado. O que amarrou um pouco mais esta coleção que as anteriores foi o fato de que como eu tenho que captar recursos eu tenho que buscar patrocinadores têxteis e fora do segmento também, o que faz com que eu tenha que trabalhar com os tecidos das empresas que estão me patrocinando. E não me mandaram todos os tecidos. 

Enquanto eu não definir quais as roupas que irão ter quais impressões. Quando eu defini as estampas, ainda estava sem os tecidos, eu não tinha tecidos para trabalhar. É todo um processo. A data do SPFW não vai mudar. A data da entrega está me espremendo cada vez mais. No final, o que vai acontecer, é que eu vou estar numa situação de ter que correr para um lado e a Lelê para outro para poder, num prazo pequeno, realizar tudo o que foi idealizado. Se eu estivesse numa situação em que eu pudesse bancar meu desfile eu escolheria os fornecedores que pudessem me entregar mais rápido o produto. Foi extremamente angustiante e agora é que estamos fechando todo o processo. Fora todo o processo desgastante que é realizar uma coleção. Primeiro, criar o conceito, que é um pouco doloroso também, estes outros processos têm sido por vezes até mais intensos, que é fechar com os patrocinadores, receber os tecidos e realizar no período que sobrou a coleção e ainda ter que levantar os custos de mais ou menos cem pessoas envolvidas no desfile: quarenta modelos, vinte maquiadores e cabeleireiros, camareiras, etc... Hoje eu estou com uma rede de contato para desenvolver a coleção que conta com trinta pessoas, desde equipe de modelagem, lavanderia, tinturaria, tecelagem, malharia. 

Estou me relacionando com mais de trinta pessoas só para conseguir confeccionar os produtos e daqui há um mês estarei me relacionando no mínimo com mais trinta pessoas da parte comercial, de catálogo, fotógrafo, então já serão sessenta pessoas em que estou me relacionando e no dia do evento mais este monte de pessoas. Então é todo um processo que vai num crescendo até chegar ao ponto que você está com algo muito grande para administrar e lançar...

MB: Mas eu acredito que isso está assim por que é a sua primeira vez. A partir daí será bem mais fácil.

JN: Eu acho que na próxima, em função até de ser uma continuidade do trabalho, acho que será mais fácil. Eu já estarei com minha empresa, a marca mais estruturada, patrocinadores, acredito que será menos doloroso.

MB: Quando penso no seu trabalho me lembro sempre de uma calças amplas, que lembram bastante um esporte oriental...

JN: Akaná...

MB: Sua origem oriental influencia muito, está sempre presente?

JN: Isto com certeza está presente, mas acho que não existe esta prisão, esse vínculo aonde tudo tem que ter essa cara. Pode ser que tudo tenha uma diferenciação dos demais em termos de construção, de forma, pois isso difere de um estilista do outro, mas essa descendência quase que interfere, é inevitável e se isso não acontecesse iria fugir um pouco das minhas características, do meu estilo. 

MB: E qual foi a coleção que você mais gostou, mas prazer te deu?

JN: Para mim a que mais me marcou foi a primeira, no Phytoervas, porque foi a primeira que eu pude apresentar um trabalho isolado de qualquer empresa, um trabalho mais natural, acho que houve toda uma surpresa para o mercado, uma nova linguagem, uma nova atitude. Foi a que usei o Bibelô (do cartunista Angeli) como personagem, que foi um olhar sobre o típico machão, o cafajeste, então tinha muito esta atitude que não era uma atitude vendida como termos de moda, um tipo cafajeste, machão, foi uma coleção muito importante para mim, que permitiu que tudo depois acontecesse. Foi muito difícil, desgastante, mas ela aconteceu num momento certo. Esta coleção atual está difícil, em função deste vínculos que eu tive que fazer. Aquela era totalmente desvinculada, era uma apresentação única, não iria ser comercializada...

MB: E não foi com o Ronaldo Fraga que você fez uma coleção conjunta?

JN: Foi um desfile simultâneo. Era a coleção chamada " A Carta". Num determinado momento nós estávamos conversando aqui e eu contei para ele que havia lido num jornal que dois escritores famosos trocavam cartas e que um via o trabalho do outro, dentro da linguagem deles. Então resolvemos fazer uma coleção onde o conceito de minha coleção era meu olhar no universo do Ronaldo e a dele um olhar no meu universo. Que foi a coleção em que todos desfilavam ao mesmo tempo, em duas passarelas que se cruzavam, e no final as modelos trocaram de roupa entre elas como se fosse uma celebração. E esta troca realmente houve e tudo ficou bem legal, embora não tivéssemos feito nenhuma roupa combinada e como havia este conceito, esta troca, aconteceu muito bem e as modelos saíram meio a meio e ficou tudo muito legal.

MB: Qual o estilista que você mais gosta?

JN: Tem pessoas as quais eu admiro o trabalho. Gosto muito de Junya Watanabe... Gosto de Comme de Garçons, tem uma ordem assim, primeiro Watanebe, que eu acho que tem um trabalho mais antenado até com o que eu vejo como importante, como relevante, que acrescenta algo novo. Comme de Garçon pela história, eu gosto do trabalho do Yohji (Yamamoto), de Balenciaga, gosto do que Vionnet fez, gosto da coisa mais forte, como espetáculo, do que Viktor and Holf faz , basicamente são estes que eu admiro, mas de todos eles o que mais gosto é Junya Watanabe.

MB: Existe algo que você odeie em moda?

JN: Não odeio nada, o que eu acho que é um problema em moda são as fórmulas pasteurizadas que existem. A falta de percepção das pessoas não acho problema. Ninguém tem obrigação de perceber o quanto aquilo tem ou não identidade. Isso, infelizmente, as pessoas vão ser sempre um pouco manipuladas pela mídia, isto é inevitável, mas o que mais me incomoda ou melhor, atrapalha o crescimento, a evolução, é o quanto existe uma utilização de fórmulas pasteurizadas para se atingir sucesso e quanto as pessoas fazem uso disso e quanto isso não é apontado. Para que o trabalho realmente pudesse, cada vez mais crescer e as pessoas serem mais exigidas. Hoje as pessoas vão muito mais pela busca da imagem. Somente a imagem, sem consistência. Isso é muito simples, e não vai por aí. A moda torna-se superficial, se torna pura imagem e isso me incomoda quando vc percebe que aquilo foi tentado, estrategicamente, não pela consistência mas que pela noção de que cartesianamente aquilo funciona. E vendem o peixe, vão vendendo, vão vendendo, e isso, o mercado começa a criar estudantes, a criar profissionais, o mercado passa a ficar viciado em mentiras Acho que isso é o que mais atrapalha o segmento...

MB: E você acha que o Brasil está carente de técnicos? As escolas de moda incentivam as pessoas a ser somente estilistas e não bons técnicos?

JN: Se me pedissem um conselho a quem quer entrar o que eu aconselharia é que busquem uma identidade própria, que fujam das fórmulas prontas e pasteurizadas ou se tornem experts em mercado. Sendo expert a pessoa pode ser bom técnico, ser bom em qualquer coisa, pode ser um bom comprador. E eu acho que quem produz ,pode ou tem algo a dizer. Mesmo eu que tenho algo a dizer mas às vezes eu gostaria de poder ficar calado, mas o calendário me obriga então aí que entra aquela busca do que realmente para mim é importante. Eu poderia dizer que naquele momento era importante o que eu já disse há seis meses atrás e o que eu já disse há seis meses atrás eu quero continuar dizendo nos próximos seis meses. Para a gente pensar em como evoluir a coleção anterior sendo que o que eu gostaria realmente é de dizer algo novo. Por que muitas vezes uma coleção é uma continuação da outra e uma outra coleção eu faço uma ruptura porque é realmente o momento de dizer algo novo. Tem escritores, músicos que lançam a cada dois anos e o estilista é obrigado a lançar a cada seis meses... então, muitas vezes, um novo trabalho, ele não é uma ruptura com o trabalho anterior, é uma continuidade. 

Na coleção que eu fiz de verão, no inverno eu dei uma certa continuidade a ela. Nesta de verão, agora, já é uma ruptura. Então realmente para a pessoa poder ser estilista ela tem que ter um ponto de vista e muitas pessoas não estão aptas a ser estilistas, mas sim críticos, técnicos, enfim, existe tanta coisa. Realmente existe uma falta mas muito depende do que o estilista quer. O estilista tem que saber o que ele quer, saber executar, tem por obrigação, que saber o filme que ele vai apresentar. Ele tem que saber a iluminação, tem que saber o que ele quer de cada ator, tem que saber qual é a trilha daquele momento, tem que saber qual a luminosidade das cores, o caimento, então ele tem que saber tudo. 

Quando uma pessoa muitas vezes delega a terceiros é um pouco por ausência desta vontade. Existe, claro, no mercado, bons profissionais. O que acontece é que às vezes estes profissionais não conseguem interpretar aquilo que o estilista quer. Mas um bom estilista ele consegue ser tão claro naquilo que ele almeja que a pessoa consegue executar, dentro do possível. Acho que o maior problema realmente é ter que saber de tudo de moda para poder executar tudo.

MB: E o jornalismo de moda. Você acha ruim, já sentiu que não entenderam seu trabalho, o que te criticassem de uma forma que você não gostou?

JN: O que acho que falta é profundidade muitas vezes, com certeza. Até é um pouco natural , a formatação do que é o nosso meio hoje. Eu acho que eu devo fazer melhor para a pessoa entender. Isso para mim é importante. Mas eu gostaria que nós tivéssemos um órgão assim como nós temos em cinema, pessoas que têm uma opinião uma abordagem um pouco mais profunda. Eu acho que é claro que sempre existem os maus profissionais, mas em geral, em moda, já dei entrevistas para várias pessoas que não sabiam o que estavam perguntando...Acho que elas não conseguiam enxergar o que é moda. Para mim moda é muito mais do que se ela tem luxo ou não, se a roupa tem glamour ou não. Sabe, eu acho que é muito mais amplo. O que eu faço, pelo menos quando eu decidi trabalhar com moda era que fosse altamente capaz de interagir com as pessoas, capaz de mudar a vida das pessoas. 

Para ter um trabalho mais consistente fui fazer Artes Plásticas, fiz extensão universitária em museologia de moda, fiz Marie Ruckie, fiz estágio no Japão, fiz curso de designer de jóias, fui joalheiro eu busquei tanta coisa para poder trazer, principalmente em artes plásticas. Fica muito limitado quando uma pessoa olha um trabalho de forma superficial.

MB: às vezes fala gosto ou não e não sabe nem porque...

JN: Ou simplesmente faz um resumo descritivo, eu não fiz uma coisa para a pessoa descrever mas para falarem no que ,em que tocaram à ela, de que me maneira que me tocava, mas ninguém fala... Por isso que para mim é um pouco indiferente se eu vou falar da minha coleção daqui a pouco, mais para a frente ou agora. Porque eu não estou fazendo as coisas para surpreender estou fazendo as coisas para que as pessoas tenham uma relação com aquilo que elas estão vendo e depois, daqui a pouco quero que elas percebam, que consigam absorver um pouco daquilo que foi mostrado. 

MB: Você recebe influências do cinema, teatro, etc...

JN: Se eu não trabalhasse com moda eu gostaria muito de trabalhar com cinema. Poder estender um pouco, havendo o visual o sonoro, documentando melhor, um pouco o trabalho na sua forma de apresentação. Porque o que acontece? Em moda muitas vezes o conceito que eu apresentei no desfile, quando chega numa loja multimarca se perde, o trabalho ficou muito restrito àquela platéia. Eu gostaria que mais pessoas tivessem acesso, mais pessoas pudessem identificar um pouco este glamour todo e mostrar o meu trabalho para mais pessoas. O cinema então seria um canal excelente. Para poder falar sobre o meu conceito, o meu ponto de vista. Eu adoro o cinema. Ele é para mim, realmente, a sétima arte. Acho muito importante. Moda é um pouco limitado neste aspecto. Ela vira um produto de consumo para quem não estava presente e é um produto talvez mais cultural, para aquelas pessoas que estão lá e às vezes as pessoas que estão lá não estão por um motivo cultural mas mais por badalação ou sei lá o que mais. 

O principal para mim são as pessoas. O meu trabalho todo é feito pensando na interação com as pessoas, com a percepção das pessoas no tempo, da percepção do que estão afetando-as e tentando torná-las um pouco mais atemporais. Eu não gosto de fazer aquilo que é apenas um nome, ou seja não é o pasteurizado que me importa. Não é aquilo que está mais em voga no momento o que eu quero apontar. Eu quero muito apontar a temporalidade, a questão toda de que o tempo não é tão o importante é você estar mais transparente, é o que eu quero para o meu trabalho. O que mais me influencia. O cinema, o tempo e as pessoas, as relações entre as pessoas. Eu comecei a trabalhar com moda para exatamente para poder de alguma maneira apresentar o interagir, uma nova sensibilidade, uma nova visão e uma nova percepção do que rodeia as pessoas. Esta é minha idéia. Moda é um dos canais em que você tem sua percepção afetada. 

Eu acho que a roupa muda, pode mudar uma vida. Assim como um filme pode mudar uma vida. E moda para mim, ela tem este poder. Antes da palavra atitude se tornar moda foi o que me levou a trabalhar com moda. Eu percebia que uma pessoa que tinha um caminho traçado, de repente, por ela ter interagido com uma roupa, ter descoberto um gueto, ter assumido uma atitude, de repente se deparar com essa pessoa que surpreendeu como a identidade dela, visualmente antes, estava mudada, em função da moda fez com que uma vida mudasse e fez com que eu fosse trabalhar com moda. Então é um pouco disso.

MB: Você sente que existe preconceito quando você fala que é estilista, as pessoas agem como? Como se fosse glamuroso?

JN: existe uma glamurização, sim. Incomoda, não a questão em si, mas eu não queria ser tratado como uma pessoa assim que é identificada, as pessoas acharem que sou assim, "estilista" , mesmo porque eu sou muito discreto, fico tímido, não faço questão de ficar em primeira fila. Quero mais ser observador do que ser observado. Existe um pré conceito em relação ao que é trabalhar com moda. Existe uma glamurização não sei porque entre as pessoas que estão fora do meio.

Trabalhar com moda é extremamente, para quem realmente trabalha sério e não é afetado por este glamour todo, é algo extremamente difícil é muito de realização, de se tornar real idéias, tornar real coisas quase impossíveis muitas vezes. Então é muito desgastante este trabalho de tornar real uma idéia, que muita gente nem imagina esta dificuldade toda. Quantas vezes quantas pessoas são capazes de tornar real, algo inexistente? Ao mesmo tempo para mim é o que motiva, ter, por alguns instantes, esta possibilidade de se tornar reais coleções, idéias, reunir profissionais, colaboradores, enfim, pessoas que compartilham os mesmos ideais e conseguem fazer com que todos juntos tornem tudo real. É como se você resgatasse de cada um pouco de um certo brilho. 

Trazer gente de volta ao trabalho, artesãos que às vezes estão lá, esquecidos. Trabalhar com pessoas que estão lá te esperando para fazer uma nova coleção "Qual é o tema, o que você quer fazer de novo?" Realmente pessoas que estão com você há várias estações esperando você chegar lá "o que nós vamos realizar?" Isto é gostoso, é legal, é mais gratificante. Por mais que seja difícil, você mostrar para a costureira, para a modelista o que se quer, de repente alguém dizer "nossa como ficou bonito, eu não imaginava que fosse ficar tão bom!" isso é gostoso.

MB: E você trabalha sempre com a mesma equipe? 

JN: Basicamente sim. Desde modelos, tudo, sou muito fiel. É claro que há profissionais com os quais eu não trabalho mais porque estão fora da empresa, que criaram outra empresa. Mas fornecedores, isso, nós temos uma relação muito próxima.

MB: E os modelistas?

JN: Os modelistas, na verdade, eu ensino cada modelista a trabalhar como eu quero. É claro que é difícil você encontrar uma pessoa capacitada a absorver, mas tudo bem, a gente consegue, vai trabalhando.

MB: Pelo visto você é uma pessoa bem paciente.

JN: Tenho que ser. Senão você não constrói nada, só se destrói. Tem que ter muita paciência, se você quer realmente fazer algo, principalmente se você está trabalhando com moda. 

Marta De Divitiisé jornalista de moda em São Paulo.

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